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segunda-feira, 31 de março de 2008

"TIÃO POEIRA, O AZARENTO"

Sebastião Alfredo, conhecido como “Tião poeira”, residia na baixada fluminense, e todo santo dia acordava pela madrugada, no primeiro canto do galo do vizinho, para pegar as inúmeras conduções que o levavam ao trabalho em Copacabana.
Como todo trabalhador de periferia, pobre e despojado, pegava ônibus e trens apinhados, e sofria com empurrões, brigas, e o famoso “roça-roça” tão comum nesses transportes coletivos de massas. Hoje é mais um desses dias de sacrifício.
-E aí meu irmão, chega pra lá, “ta sabendo”? Reclama ele de um “baixola roliço” com a cara cheia de cachaça, que o imprensa junto a um negão mal encarado à sua frente.
O “azulão”, com uns dois metros de altura por três de largura, com um mau hálito de fazer inveja a urubu de matadouro, percebendo a “muvuca” atrás, se volta e, despeja um olhar assassino sobre os dois que o fazem tremer e se calarem.
Tião conhecia o cara cujo apelido era “King Kong” que era do bando do traficante Jiló. Era do tipo que torcia o pescoço de uma velhinha sorrindo, por isso, se aquietara.
Após todos os contratempos, bem atrasado, chega ao seu destino. Ao adentrar a Padaria N.S. de Fátima, onde exercia o pomposo cargo de “Diretor Geral” do arquivo morto do estabelecimento, é advertido pelo Sr. Manoel Joaquim, o português proprietário do comércio:
- “Senhore Sebastião Alfredo, possu saberes o motivo deste seu atraso”? “Quando chegas, estás quase na hora de voltares”? “Que estás a haver, gajo”?
Pego de surpresa e receoso de ser demitido e, ficar sem seus cartões de visitas, que acostumava espalhar pelos botecos da vida para mostrar seu “status”, ele titubeia um pouco e, com um sorriso amarelo tenta se justificar:
-São essas conduções, chefe! Quando não atrasam, quebram! Que posso fazer?
Não engolindo a resposta, o lusitano baixola e bigodudo, solta a fatídica sentença:
-“Estás despedido ó gajo, estás despedido”! Fora, fora!
Vendo que estava mesmo na rua, ele resolve espinafrar o português:
-“Tas sabendo”, seu “bacon” ambulante, sua rolha de poço, que vou atrás de meus direitos, é isso aí! Vocifera ele com os punhos fechados e dentes trincados.
Cuspindo marimbondos, pega um metrô para lhe deixar na central do Brasil. Adentrando-o, ainda bem zangado, aos trancos e barrancos vai se ajeitando no meio de uns velhinhos que tinham acabado de receber as suas famigeradas pensões do INSS. Naquele compartimento entupido e quase botando gente pelo ladrão, ele procura se movimentar e escolher um canto para curtir a sua desgraça isoladamente.
Com muito sacrifício consegue. Estica os braços e coloca a sua mão direita no bolso da calça, para proteger a sua refeição abortada pelo desemprego inesperado: Um sanduíche de mortadela. Com cara de poucos amigos, pela circunstância vivida naquele momento, logo é alvo de olhares desconfiados por parte dos demais passageiros.
Um negão mal encarado, que vendia churrasquinho de gato na central do Brasil, com um bafo de cachaça horrível, na qualidade voluntária de protetor daqueles velhinhos, resolve cutucar o pobre do Sebastião:
-“A sua pessoa do irmão pode dizer pros colegas de viagem, o que ta segurando no bolso que ta incomodando as pessoas dos velhinhos, meu chapa”?
Quase sem ar pelo aperto e ainda curtindo um grande mau humor, ele solta “a pérola”:
-Não vou dizer, mesmo porque não interessa a ninguém, e ta falado!
O negão insiste...
-“As suas pessoas” dos velhinhos receberam seus pagamentos, e não queremos que eles voltem para suas casas assaltados por um bandido perigoso e ladrão de anciãos! Por acaso a “sua pessoa” tem aí no bolso um “Trabuco”, meu camarada”?
Um baixinho careca, que era presidente da “Associação dos pivetes desamparados”, resolve botar mais lenha na fogueira:
-“Ta com jeito de arma mesmo, porque ele ta de cara feia e não tira as mãos do bolso! Meu cunhado, Aldo Inocêncio, foi roubado até o último centavo e morto por um ladrão desse, sem direito a testamento nem último pedido”! Deixou viúva e vinte cinco filhinhos órfãos!
O negão já enraivecido pela indiferença de Sebastião, “puto” da vida, reprime o baixinho com uma voz pastosa e cheia de segundas intenções:
-“Cala a boca amizade, aqui não vai acontecer nada disso porque o irmão vai mostrar pra gente seu mistério! Não é camarada”? Ou vai querer conhecer papai do céu mais cedo?
O rapaz, num gesto de coragem e ousadia rebate, mesmo antevendo as conseqüências:
-Nem morto cara, nem morto!
Num impulso repentino, “os caras” o agarram e o colocam de cabeça para baixo, sacudindo-o, até que, para surpresa geral, cair no chão um sanduíche de mortadela envolvido num guardanapo amarelado e molhado de suor.
Enfezados por não encontrarem o que pensavam, soltam toda a sua ira sobre o pobre coitado que, apanha mais que mulher de malandro “corneado”.
Hoje, o infeliz todo quebrado, desempregado e, sem a sua refeição predileta, acomoda o que restou de sua carcaça numa maca no corredor de um pronto de socorro de periferia, sem entender o motivo real da surra.



sábado, 29 de março de 2008

"O OLHAR"

Meus olhos vagueiam incertos, dispersos, sem rumo, na procura do nada. Falta-me o olhar. O olhar dos poetas, dos artistas, dos andarilhos e, daqueles que perscrutam o âmago das coisas, da vida, na busca constante da beleza, da virtude que, às vezes são mascaradas pela pele externa que tapeia a alma.
Quero esse olhar sem dono, vadio, ávido, da verdade que, profundo, descortine a escuridão e liberte o observador ignorante, teimoso que, habita em cada um de nós.
Quero olhar o rio e, sorver seu cântico no embalo de suas águas no bailar de seus movimentos.
Galgar a montanha, correr pelas campinas, reverenciar os bosques e, poder ouvir a vida fluir feliz no pulsar de seus corações.
Aconchegar-me na relva úmida e, deleitar-me com o trinar alegre dos pássaros sob o assobio melodioso dos ventos.
Olhar o homem comum vagando pelas ruas sem me importar com sua imagem, seu externo, mas a partir de seus mais simples gestos captar suas emoções e, sua riqueza d’alma.
Quero, acima de tudo, sentir o toque sutil frio da brisa, sorrir para o raio da tempestade, abraçar a noite escura e amar a natureza.
Ter a sensibilidade dos privilegiados para adentrar suas entranhas e, extrair a beleza dos sentimentos.
Assumir esse olhar curioso, malandro, herói, dos deuses, afinal, também faço parte desse todo belo e infinito.
Enfim, quero o olhar dos olhares para poder ver e sentir esse mundo. Esse mundo invisível, misterioso, fantástico, que teima em esconder-se.
Quero só meu olhar. Apenas meu olhar.

terça-feira, 25 de março de 2008

"A VIÚVA E O AMIGO ESPERTALHÃO"

Era um 07 de setembro de 1989 e a cidadezinha toda estava na rua para ver o desfile comemorativo. Os adultos esbanjavam alegrias e confraternizações e as crianças comiam pipocas, soltavam balões e, seguravam com orgulho suas bandeirinhas de papel, que vez por outra, eram balançadas por uma brisa tênue que assoprava naquela manhã. Apenas um personagem destoava daquilo tudo: Arnaldo. Ele andava de um lado para outro muito nervoso. Já tinha ingerido inúmeras xícaras de café, fumado uns 10 cigarros e, não tirava os olhos da campainha e da porta de entrada do seu apartamento. Esperava alguém.
Solteirão, de boas posses, tinha se apaixonado perdidamente pela vizinha, uma jovem viúva de corpo escultural e beleza extasiante que, todo santo dia, por meses, da janela, jogava um possível charme para ele. Nunca tiveram qualquer contato mais próximo, apenas essas trocas de olhares e, isso bastava para ele.
Cara muito tímido com as mulheres, ele recorrera ao amigo Adalberto para conquistá-la, já que o outro era muito hábil nesse quesito. Em minutos, a campainha toca e ele, muito ansioso, corre e abre a porta para o amigo.
-Graças a Deus você veio Adalberto! Não agüento mais de ansiedade, estou morrendo de amor por essa viúva, meu amigo! É uma paixão louca!
-Você tem que se acalmar e esperar a hora certa para se declarar! Temos que ter paciência quando o negócio é mulher, Arnaldo! Falou o recém-chegado.
-Mais você não veio até aqui só para me dizer isso, veio?
-Claro que não amigo, vim ajudá-lo nessa conquista como combinamos!
-Ainda bem! Pensei que ia me deixar assim nessa agonia! Sofrendo!
Em seguida, após este curto diálogo, os dois se sentaram e passaram a articular um plano de aproximação que tivesse êxito. Ao final de meia hora tinham chegado a um consenso. O amigo se apresentaria à bela viúva dizendo ser um vendedor de jóias e que, o vizinho, um seu inconteste admirador e ricaço, era o real proprietário delas e seu patrão. Arnaldo, por sua vez, teria que aparecer em sua janela como sempre, bem sorridente, para ser admirado pela mulher. Tudo acordado, minutos depois a campainha do apartamento 302 da viúva é acionada.
-Pois não cavalheiro, em que posso servi-lo? Pergunta ela após abrir a porta. O rapaz fica sem ação diante daquele monumento de mulher à sua frente.
-O que o senhor deseja? Insiste a viúva devido à mudez repentina do outro.
-Bem, bem, me chamo Adalberto e sou vendedor de jóias importadas! Se não for incomodá-la, posso entrar? Pergunta ele já refeito da bela surpresa.
-Embora não aja interesse momentâneo, esteja à vontade, entre! Ordena a bela mulher. Chamo-me Laura! Completa.
-Bem, na verdade senhora Laura...!
-Senhorita cavalheiro, apenas senhorita! Agora sou uma viúva e, por conseqüência, não estou mais presa a nenhum homem! Se por acaso me casar de novo, o que não faz parte de meus planos, aí sim, voltarei a ser uma senhora!
-Desculpe-me senhorita! É que estou aguardando uma remessa de jóias valiosíssimas do Egito para hoje que, certamente combinará muito bem com a sua beleza! Gostaria de saber do seu interesse e se poderia vir mostrá-las mais tarde? São peças lindas e raras!
-Por mim tudo bem, mas quem me garante a autenticidade dessas jóias?
-Aí que se encontra o motivo mais forte desta minha visita, senhorita! Poderia vir aqui em sua janela e olhar em frente, por gentileza?
Curiosa e sem entender, a viúva levanta-se e se dirige à janela e vê aquela cara de todos os dias sorrindo para ela.
-Não entendi cavalheiro! O que vejo de minha janela é apenas a figura feia de sempre, bem deprimente, com um sorriso amarelo em minha direção, no qual retribuo por educação!
Vendo que o possível caso do amigo com ela havia terminado ali naquela declaração e que, nem adiantaria dizer ser ele um seu admirador e, mentir de que seria o rico proprietário das pretensas jóias, Adalberto resolveu então adiantar o seu lado, já que a viúva era um “mulheraço”. Após mais alguns papos regados a elogios e intimidades, com o terreno bem preparado, ele se despediu dela e foi de encontro ao amigo. Em minutos já estava junto a Arnaldo.
-E aí, fui bem à janela? Conseguiu ajeitar ela para mim? Pergunta ele ansioso.
Matreiramente o outro colocou em prática seu novo plano.
-Bem amigo, ela realmente está apaixonada por você, mas está te achando muito apressado, nervoso e, pediu um tempo! A notícia boa de momento, mas bem cansativa para mim, lógico, é que ela quer que eu vá lá todos os dias falar de você, contar tudo, meu camarada! Falar de sua vida!
-Poxa, é verdade mesmo Adalberto, é verdade? Ela quer saber tudo de mim?
-A mais pura das verdades! E pode ter a certeza que todos os dias estarei por aqui a visitando e preparando o terreno para você e, dentro de uns 06 meses a 01 ano, no máximo, estarão se casando! Pode acreditar meu amigo! E eu serei o padrinho desse casamento, “podes crer”!
-Poxa, Adalberto, você é um amigão! Nem tenho palavras para agradecê-lo!
-Olha Arnaldo, esqueça isso, os amigos são para essas coisas! Isso é apenas um pequeno sacrifício em prol de uma boa causa! Apenas isso, cara! Pode contar comigo!
E a partir daí, Arnaldo passou a ficar mais vezes na janela e torcer, enquanto ele, às escondidas, se saciava nas curvas da bela e apetitosa viúva no pequeno sofá de seu apartamento.
-Nem todos têm a minha sorte de ter um verdadeiro amigo! Pensava alto o outro, debruçado na janela, com um sorriso estampado nos lábios, mais feliz do que pinto no lixo.
O tempo passou, passou, ele foi envelhecendo e nada. Diziam os transeuntes anônimos que trafegavam por lá na época que, o homem vivia a distribuir sorrisos misteriosos para uma janela vazia. Os que, curiosos paravam e se concentravam na observação, o definiam como um louco.
Falam que até hoje ele se encontra lá, debruçado, à espera de sua amada e da resposta do amigo que, certamente nunca terá, por motivos óbvios, para lhe dar satisfações.













“A Viúva e o amigo espertalhão”.
Carlos Rímolo
Era um 07 de setembro de 1989 e a cidadezinha toda estava na rua para ver o desfile comemorativo. Os adultos esbanjavam alegrias e confraternizações e as crianças comiam pipocas, soltavam balões e, seguravam com orgulho suas bandeirinhas de papel, que vez por outra, eram balançadas por uma brisa tênue que assoprava naquela manhã. Apenas um personagem destoava daquilo tudo: Arnaldo. Ele andava de um lado para outro muito nervoso. Já tinha ingerido inúmeras xícaras de café, fumado uns 10 cigarros e, não tirava os olhos da campainha e da porta de entrada do seu apartamento. Esperava alguém.
Solteirão, de boas posses, tinha se apaixonado perdidamente pela vizinha, uma jovem viúva de corpo escultural e beleza extasiante que, todo santo dia, por meses, da janela, jogava um possível charme para ele. Nunca tiveram qualquer contato mais próximo, apenas essas trocas de olhares e, isso bastava para ele.
Cara muito tímido com as mulheres, ele recorrera ao amigo Adalberto para conquistá-la, já que o outro era muito hábil nesse quesito. Em minutos, a campainha toca e ele, muito ansioso, corre e abre a porta para o amigo.
-Graças a Deus você veio Adalberto! Não agüento mais de ansiedade, estou morrendo de amor por essa viúva, meu amigo! É uma paixão louca!
-Você tem que se acalmar e esperar a hora certa para se declarar! Temos que ter paciência quando o negócio é mulher, Arnaldo! Falou o recém-chegado.
-Mais você não veio até aqui só para me dizer isso, veio?
-Claro que não amigo, vim ajudá-lo nessa conquista como combinamos!
-Ainda bem! Pensei que ia me deixar assim nessa agonia! Sofrendo!
Em seguida, após este curto diálogo, os dois se sentaram e passaram a articular um plano de aproximação que tivesse êxito. Ao final de meia hora tinham chegado a um consenso. O amigo se apresentaria à bela viúva dizendo ser um vendedor de jóias e que, o vizinho, um seu inconteste admirador e ricaço, era o real proprietário delas e seu patrão. Arnaldo, por sua vez, teria que aparecer em sua janela como sempre, bem sorridente, para ser admirado pela mulher. Tudo acordado, minutos depois a campainha do apartamento 302 da viúva é acionada.
-Pois não cavalheiro, em que posso servi-lo? Pergunta ela após abrir a porta. O rapaz fica sem ação diante daquele monumento de mulher à sua frente.
-O que o senhor deseja? Insiste a viúva devido à mudez repentina do outro.
-Bem, bem, me chamo Adalberto e sou vendedor de jóias importadas! Se não for incomodá-la, posso entrar? Pergunta ele já refeito da bela surpresa.
-Embora não aja interesse momentâneo, esteja à vontade, entre! Ordena a bela mulher. Chamo-me Laura! Completa.
-Bem, na verdade senhora Laura...!
-Senhorita cavalheiro, apenas senhorita! Agora sou uma viúva e, por conseqüência, não estou mais presa a nenhum homem! Se por acaso me casar de novo, o que não faz parte de meus planos, aí sim, voltarei a ser uma senhora!
-Desculpe-me senhorita! É que estou aguardando uma remessa de jóias valiosíssimas do Egito para hoje que, certamente combinará muito bem com a sua beleza! Gostaria de saber do seu interesse e se poderia vir mostrá-las mais tarde? São peças lindas e raras!
-Por mim tudo bem, mas quem me garante a autenticidade dessas jóias?
-Aí que se encontra o motivo mais forte desta minha visita, senhorita! Poderia vir aqui em sua janela e olhar em frente, por gentileza?
Curiosa e sem entender, a viúva levanta-se e se dirige à janela e vê aquela cara de todos os dias sorrindo para ela.
-Não entendi cavalheiro! O que vejo de minha janela é apenas a figura feia de sempre, bem deprimente, com um sorriso amarelo em minha direção, no qual retribuo por educação!
Vendo que o possível caso do amigo com ela havia terminado ali naquela declaração e que, nem adiantaria dizer ser ele um seu admirador e, mentir de que seria o rico proprietário das pretensas jóias, Adalberto resolveu então adiantar o seu lado, já que a viúva era um “mulheraço”. Após mais alguns papos regados a elogios e intimidades, com o terreno bem preparado, ele se despediu dela e foi de encontro ao amigo. Em minutos já estava junto a Arnaldo.
-E aí, fui bem à janela? Conseguiu ajeitar ela para mim? Pergunta ele ansioso.
Matreiramente o outro colocou em prática seu novo plano.
-Bem amigo, ela realmente está apaixonada por você, mas está te achando muito apressado, nervoso e, pediu um tempo! A notícia boa de momento, mas bem cansativa para mim, lógico, é que ela quer que eu vá lá todos os dias falar de você, contar tudo, meu camarada! Falar de sua vida!
-Poxa, é verdade mesmo Adalberto, é verdade? Ela quer saber tudo de mim?
-A mais pura das verdades! E pode ter a certeza que todos os dias estarei por aqui a visitando e preparando o terreno para você e, dentro de uns 06 meses a 01 ano, no máximo, estarão se casando! Pode acreditar meu amigo! E eu serei o padrinho desse casamento, “podes crer”!
-Poxa, Adalberto, você é um amigão! Nem tenho palavras para agradecê-lo!
-Olha Arnaldo, esqueça isso, os amigos são para essas coisas! Isso é apenas um pequeno sacrifício em prol de uma boa causa! Apenas isso, cara! Pode contar comigo!
E a partir daí, Arnaldo passou a ficar mais vezes na janela e torcer, enquanto ele, às escondidas, se saciava nas curvas da bela e apetitosa viúva no pequeno sofá de seu apartamento.
-Nem todos têm a minha sorte de ter um verdadeiro amigo! Pensava alto o outro, debruçado na janela, com um sorriso estampado nos lábios, mais feliz do que pinto no lixo.
O tempo passou, passou, ele foi envelhecendo e nada. Diziam os transeuntes anônimos que trafegavam por lá na época que, o homem vivia a distribuir sorrisos misteriosos para uma janela vazia. Os que, curiosos paravam e se concentravam na observação, o definiam como um louco.
Falam que até hoje ele se encontra lá, debruçado, à espera de sua amada e da resposta do amigo que, certamente nunca terá, por motivos óbvios, para lhe dar satisfações.

segunda-feira, 17 de março de 2008

ALFREDO ALOÍSIO, O AZARENTO.


AlfredoAloísio, malandro e 171, fora admitido como entregador numa loja de flores. Passava o dia todo na rua embromando, entregando uma florzinha aqui, outra acolá e, assim, seguia mais feliz do que pinto no lixo. Estava no paraíso.
Naquele tempo uma gripe asiática matava centenas de pessoas no mundo e, os avisos na mídia eram freqüentes e diários, mas ele nem dava bolas para isso, estava numa boa.
Certo dia mandaram-no entregar vinte dúzias de rosas na cobertura de um prédio de trinta andares. Lá chegando, já no elevador, foi logo cutucado com impertinência:
-“A sua pessoa” do florista por acaso trabalha em alguma funerária, irmão”? Pergunta um negão fardado, cheio de alegorias na roupa e, chefe daquele transporte ali.
Alfredo Aloísio que, encontrava-se abraçado àquela enorme quantidade de flores mal conseguindo se locomover e enxergar seu interlocutor, responde meio ofegante:
-Não, vim só entregar essas flores para a festa no apartamento da dona Doralice Olívia, que faz cem anos de casada com o senhor Adroaldo Oscar, “tas sabendo amizade”?
Nisso, uma velhinha desgastada pelo tempo e pela maresia, resolve dar a sua pincelada:
-Já to casada há oitenta anos com o vagabundo do Custódio Fábio e, o único presente que ganhei até hoje foi uma penca de filhos, quarenta e cinco meu filho, quarenta e cinco!
Com o elevador botando gente pelo ladrão e, subindo a passos de tartaruga, o forte odor das flores faz com que Alfredo Aloísio que, se encontrava com elas imprensadas junto ao rosto, ameaçasse um espirro. Pra quê?
- Acho que a pessoa do irmão deve ter respeito a nós e, segurar essa sua “bactéria gripal” para não atacar a gente, “tas sabendo” amizade? Ameaça o negão comandante do transporte, com um olhar injetado de ódio para ele, doido para começar uma carnificina ali.
Um magricela baixinho, que era “diretor geral do almoxarifado” de uma sorveteria da esquina, resolve botar mais lenha na fogueira e acirrar ainda mais os ânimos:
-“O pior, é se essa “bactéria assassina” dele for parenta daquela pestilenta “asiática”, aí a cobra vai fumar, pois vai matar nós todos aqui sem direito a último pedido nem testamento!”
-Não vai acontecer nada disso meu chapa, pois a pessoa do irmão tem amor a sua pele e, não vai querer subir mais cedo pra encontrar o criador, não é isso maninho? Rebate o negão novamente com uma voz pastosa e raivosa, infernizando a vida do pobre Alfredo Aloísio que, tremia mais do que bambu verde em ventania.
Sem responder, o malandro se esconde cada vez mais atrás das flores já pensando nas trágicas conseqüências de um provável espirro ali. Sua frio e permanece em silêncio, enquanto seu nariz continua coçando querendo antecipar a tragédia.
O negão insiste:
-Continuo achando que a pessoa do irmão devia ir pela escada para evitar a morte desses inocentes com esse seu “vírus mortal”!
Já com a “cueca toda borrada”, ele se estica e, consegue ver por cima das flores, as caras agressivas dos ocupantes daquele cubículo apertado e hostil. Treme na base e se encolhe em silêncio, sem se esquecer de conter a todo custo o fatídico espirro.
Mas eis que, num balanço inesperado e imprevisível, para sua desgraça, o pior acontece. De imediato aquela turba enfurecida chefiada pelo negão fardado o pega e, lhe dá tanta porrada, mais tanta porrada que, agora, despejado no quinto andar todo quebrado, desacordado e ladeado de flores, ele fica como um presunto a espera do rabecão.

terça-feira, 11 de março de 2008

O FALSO AGENTE SANITÁRIO

Aloísio Raimundo apareceu na favela do “bode cheiroso” mais feliz do que ganhador de bilhete premiado. Estava encadernado num macacão amarelo, com um par de luvas pretas surrupiadas de um gari e, uma carteirinha falsa de agente sanitário para mais um de seus golpes. Conhecido malandro, larápio e picareta, pensara muito nesse plano ao ver na televisão do vizinho, o resultado de “uma tal” peste aviária e, resolvera tirar vantagem com isso.
-És malandro, a partir de hoje irás “forrar o bucho” e não mais passarás fome!“Tas sabendo”? –Pensa ele alto alisando a barriga, lembrando da criação de galinhas gordas e apetitosas do senhor Adroaldo Josué, cevadas com rações importadas que, sapateavam pelo seu terreiro ali no morro.
Como andava sempre esfomeado, quando passava pela casa do homem e via aquelas penosas robustas e vitaminadas, seus olhos gordos cresciam e a barriga nervosa roncava. Nesse dia pensou numa forma de passar a perna no dono e torná-las parte de seu repasto.
Agira rápido e logo estava frente a frente com o homem, um negão mal encarado, brutamontes, que era um pugilista peso pesado aposentado e foi logo soltando seu “lero” meloso:
-“Escuta aqui amizade, por acaso as suas penosas gozam de algum plano de saúde”?
-Posso saber quem é “a pessoa do irmão” que quer saber disso? -Pergunta rosnando o cara, com os punhos cerrados, encarando a figura esquisita à sua frente.
-Aloísio Raimundo, o agente aviário, seu criado, meu camarada! O defensor-mor das penosas desamparadas, irmão! -Responde o meliante dando sua “carteirada” falsificada.
-Não tem plano de saúde não, mas o que “a pessoa do irmão” deseja das minhas filhinhas?
-Ora, ver se elas tão com a tal gripe aviária, “tas sabendo”? Um espirro de uma pode matar todas, irmão! Até a gente, amizade! É muito grave!
-E se estiver irmão, como é que fica? As minhas filhinhas vão falecer? Vão pro céu?
-Ainda não amizade, mas terei que levar as “bichinhas” para a tal “quarentena” para elas não matar “de morte morrida” as criancinhas inocentes e os velhinhos, “morou”?
Após muito papo convencera o negão que, com olhares odiosos, mas temerosos, filmava o malandro na escolha e ensacamento das galináceas. E assim foi por muito tempo até que, com o seu quintal se esvaziando, o homem desesperado e também desconfiado, resolveu pegar um “cata corno” e ir a cidade saber a verdade. Não demorou muito e já retornara sabendo que levara uma volta “arrumada”. Agora, babando de raiva e louco para encontrar o espertalhão, dirigiu-se ao barraco de Aloísio Raimundo. Lá chegando, para piorar a situação do malandro, ouvira o grito alucinado de uma de suas galinhas e, ao aproximar-se da janela escutara:
-Não adianta gritares “belezoca”, morrerás, mas “irás” para o céu conhecer o criador, “tas sabendo”? Vais subires e morar com os anjinhos que tem asinhas como você, morou? “Vais para o paraíso e lá encontrar as suas irmãzinhas que já se foram, é isso aí”!
Não agüentando mais ouvir aquilo, o negão tremendo e arrepiado, babando de raiva e olhar assassino, como um trator adentrou aquela imundície de barraco. Agarrou o pilantra pela garganta e deu tanta porrada, mais tanta porrada que, ao final, os vizinhos acenderam velas em torno do que restara de seu corpo, enquanto que, num canto, seu anjo da guarda que não o protegera, rezava para ele não subir.

terça-feira, 4 de março de 2008

O MENINO E O VELHO. O MILAGRE DO AMOR.


O senhor Perácio, com seus setenta anos bem vividos, aposentado, vive com a esposa, a filha e, o neto numa casinha num bairro operário da cidadezinha de Santa Cruz.
Nos fundos do quintal montou uma improvisada oficina de soldagens, para fazer uns biscates para completar a renda e, se manter em atividade. Sempre falava para dona Mercedes, sua esposa, que aquilo era seu elixir da vida. Um modo de ocupação de tempo.
Seu neto Tiago, de apenas quatro anos, é a menina de seus olhos e ele, além de avô coruja, um emérito contador de histórias. Sempre estavam juntos. Se amavam.
À noite, após cada história, eles rezavam juntos e ele só saía dali após o netinho adormecer, quando o cobria e apagava a luz.
-Sonhe com os anjinhos meu filhinho! Fala ele quase num sussurro ao seu ouvidinho, dando-lhe em seguida um beijo em sua face rosada com um sorriso paternal.
A filha ficara viúva muito cedo e fora morar com eles, para alegria de todos. Certo dia, o menininho adoeceu tomado por uma febre alta e incontrolável. Como os remédios caseiros tão úteis não resolveram, tiveram que levá-lo para o hospital. Após alguns exames, descobriram uma doença rara em seu organismo. Ai foi uma choradeira geral.
Diante daquela situação emergencial, os médicos, de imediato, iniciaram os procedimentos de cura. Não podiam perder muito tempo.
A partir desse dia, muito desconsolado, o avô não desgrudava da cadeira ao pé da sua cama, com o livrinho de história em suas mãos. Quando Tiaguinho abria os olhinhos, o bom velho e dedicado avô, com o coração amargurado e ferido, forjava uma alegria que não passava despercebida pelo garotinho que, em silêncio, compreendia. Nesse instante:
-Meu filhinho, vovô chegou e como sempre vai te contar histórias diferentes e divertidas! Só nós conhecemos essas histórias! Somos sócios nesse segredo! Fechado?
O garotinho, quase num sussurro por ainda estar sob efeito de medicamentos, tenta ensaiar um pequeno sorriso e responde bem lentamente.
-Fechado, vovô! Não vou contar pra ninguém nosso segredo, nem pra mamãe nem pra vovó!
O tempo passa e aquela rotina seguia seu rumo. Até que, um belo dia, a equipe médica resolve chamar e reunir a família para dar as boas novas. A infecção regredira e, o menininho, muito mais cedo do que o esperado teria alta. E para alegria de todos, o fato aconteceu. Ele já se encontrava em casa se restabelecendo ao lado de seus familiares e, sabidamente do avô. Em pouco tempo já era outro: Brincava, corria e fazia de tudo.
Quando tudo voltara à normalidade e parecia ir às mil maravilhas, é a hora do avô adoecer. Ele tinha um problema coronário e teve que ser internado às pressas também.
Tiaguinho, inconsolável, passou a chorar pelos quatro cantos da casa. O avô era tudo para ele. Não podia ir ao hospital com a sua mãe, porque ela não queria chocar seu coraçãozinho vendo o avô naquela situação. O homem ficava a maior parte do tempo desacordado a poder de medicamentos. A doença era grave e sem previsão de cura.
Mesmo pequenininho, ele era muito esperto e conseguiu seguir a mãe. Ouvira o número oito como sendo o do quarto do avô. E como o velho o tinha ensinado a contar até dez, ele saberia achar o tal quarto. Já no local, se esgueirando por entre paredes e pilastras, alcançou o primeiro andar e logo avistou o número procurado. Numa correria desenfreada e pegando a todos de surpresa, ele entrou no quarto e se aproximou da cama do avô que, por sinal, naquele momento, estava acordado. Com o livrinho dobrado sob os bracinhos, ele falou com aquela vozinha chorosa e lágrimas nos olhinhos azuis e brilhantes:
-Vô, vô, vim te contar aquelas histórias pra você ficar bom também! Aquelas do nosso segredo que me curou, lembra?
Ao escutar aquilo e, ver o netinho folhear aquele livrinho sem ainda saber ler, o ancião não resistiu e foi às lágrimas, conseguindo com muitas dificuldades respondê-lo:
-Meu filhinho querido, conte essa sua história tão linda e maravilhosa! Estou precisando muito! Você vai me curar, Tiaguinho! Conte!
-Não, vô! Eu não vou curar o senhor! Esqueceu? É a história, é ela! É ela que cura! A mesma que fez eu ficar bom, lembra? Retruca o menininho exibindo um sorriso inocente de felicidade em seu rostinho, atento e, folheando as primeiras páginas do livreto.
A avó e a mãe do garotinho vendo aquela cena emotiva resolvem, a partir dali, a levá-lo em suas visitas, deixando assim o menininho e seu avô radiantes.
Para nova surpresa de todos, alguns meses depois, o quadro do paciente apresentava acentuadas melhoras. Como estava bem debilitado e desenganado, os médicos ficaram sem entender essa franca recuperação em tão pouco tempo e, passaram a creditar o fato a milagres.
O homem então logo recebe alta e, agora, por imposição de Tiaguinho, passaram a se revezarem nas narrativas, porque essas histórias, as do segredo, não os deixam adoecerem.