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segunda-feira, 31 de março de 2008

"TIÃO POEIRA, O AZARENTO"

Sebastião Alfredo, conhecido como “Tião poeira”, residia na baixada fluminense, e todo santo dia acordava pela madrugada, no primeiro canto do galo do vizinho, para pegar as inúmeras conduções que o levavam ao trabalho em Copacabana.
Como todo trabalhador de periferia, pobre e despojado, pegava ônibus e trens apinhados, e sofria com empurrões, brigas, e o famoso “roça-roça” tão comum nesses transportes coletivos de massas. Hoje é mais um desses dias de sacrifício.
-E aí meu irmão, chega pra lá, “ta sabendo”? Reclama ele de um “baixola roliço” com a cara cheia de cachaça, que o imprensa junto a um negão mal encarado à sua frente.
O “azulão”, com uns dois metros de altura por três de largura, com um mau hálito de fazer inveja a urubu de matadouro, percebendo a “muvuca” atrás, se volta e, despeja um olhar assassino sobre os dois que o fazem tremer e se calarem.
Tião conhecia o cara cujo apelido era “King Kong” que era do bando do traficante Jiló. Era do tipo que torcia o pescoço de uma velhinha sorrindo, por isso, se aquietara.
Após todos os contratempos, bem atrasado, chega ao seu destino. Ao adentrar a Padaria N.S. de Fátima, onde exercia o pomposo cargo de “Diretor Geral” do arquivo morto do estabelecimento, é advertido pelo Sr. Manoel Joaquim, o português proprietário do comércio:
- “Senhore Sebastião Alfredo, possu saberes o motivo deste seu atraso”? “Quando chegas, estás quase na hora de voltares”? “Que estás a haver, gajo”?
Pego de surpresa e receoso de ser demitido e, ficar sem seus cartões de visitas, que acostumava espalhar pelos botecos da vida para mostrar seu “status”, ele titubeia um pouco e, com um sorriso amarelo tenta se justificar:
-São essas conduções, chefe! Quando não atrasam, quebram! Que posso fazer?
Não engolindo a resposta, o lusitano baixola e bigodudo, solta a fatídica sentença:
-“Estás despedido ó gajo, estás despedido”! Fora, fora!
Vendo que estava mesmo na rua, ele resolve espinafrar o português:
-“Tas sabendo”, seu “bacon” ambulante, sua rolha de poço, que vou atrás de meus direitos, é isso aí! Vocifera ele com os punhos fechados e dentes trincados.
Cuspindo marimbondos, pega um metrô para lhe deixar na central do Brasil. Adentrando-o, ainda bem zangado, aos trancos e barrancos vai se ajeitando no meio de uns velhinhos que tinham acabado de receber as suas famigeradas pensões do INSS. Naquele compartimento entupido e quase botando gente pelo ladrão, ele procura se movimentar e escolher um canto para curtir a sua desgraça isoladamente.
Com muito sacrifício consegue. Estica os braços e coloca a sua mão direita no bolso da calça, para proteger a sua refeição abortada pelo desemprego inesperado: Um sanduíche de mortadela. Com cara de poucos amigos, pela circunstância vivida naquele momento, logo é alvo de olhares desconfiados por parte dos demais passageiros.
Um negão mal encarado, que vendia churrasquinho de gato na central do Brasil, com um bafo de cachaça horrível, na qualidade voluntária de protetor daqueles velhinhos, resolve cutucar o pobre do Sebastião:
-“A sua pessoa do irmão pode dizer pros colegas de viagem, o que ta segurando no bolso que ta incomodando as pessoas dos velhinhos, meu chapa”?
Quase sem ar pelo aperto e ainda curtindo um grande mau humor, ele solta “a pérola”:
-Não vou dizer, mesmo porque não interessa a ninguém, e ta falado!
O negão insiste...
-“As suas pessoas” dos velhinhos receberam seus pagamentos, e não queremos que eles voltem para suas casas assaltados por um bandido perigoso e ladrão de anciãos! Por acaso a “sua pessoa” tem aí no bolso um “Trabuco”, meu camarada”?
Um baixinho careca, que era presidente da “Associação dos pivetes desamparados”, resolve botar mais lenha na fogueira:
-“Ta com jeito de arma mesmo, porque ele ta de cara feia e não tira as mãos do bolso! Meu cunhado, Aldo Inocêncio, foi roubado até o último centavo e morto por um ladrão desse, sem direito a testamento nem último pedido”! Deixou viúva e vinte cinco filhinhos órfãos!
O negão já enraivecido pela indiferença de Sebastião, “puto” da vida, reprime o baixinho com uma voz pastosa e cheia de segundas intenções:
-“Cala a boca amizade, aqui não vai acontecer nada disso porque o irmão vai mostrar pra gente seu mistério! Não é camarada”? Ou vai querer conhecer papai do céu mais cedo?
O rapaz, num gesto de coragem e ousadia rebate, mesmo antevendo as conseqüências:
-Nem morto cara, nem morto!
Num impulso repentino, “os caras” o agarram e o colocam de cabeça para baixo, sacudindo-o, até que, para surpresa geral, cair no chão um sanduíche de mortadela envolvido num guardanapo amarelado e molhado de suor.
Enfezados por não encontrarem o que pensavam, soltam toda a sua ira sobre o pobre coitado que, apanha mais que mulher de malandro “corneado”.
Hoje, o infeliz todo quebrado, desempregado e, sem a sua refeição predileta, acomoda o que restou de sua carcaça numa maca no corredor de um pronto de socorro de periferia, sem entender o motivo real da surra.



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