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segunda-feira, 19 de maio de 2008

"O INVASOR DE TERRAS ALHEIAS" - Carlos Rímolo.

Augusto Argemiro fora demitido da “Associação dos chifrudos indefesos” da favela da Macumba, onde exercia o pomposo cargo de conselheiro dos “galhudos” chorões. Pai (?) de vinte filhos, ele morava numa “kitinete” com a dona Eutília Beatriz e seus rebentos. Estava agora na rua da amargura sem um “puto” no bolso, mais duro do que filé de bode de terceira.
Pelo seu elevado grau cultural, logo descobre a sua nova vocação: “Capinador de quintal” e, esse serviço tinha que ser para ontem, já que estava com fome, liso e desesperado.
Nesse dia mesmo, com sorte, conseguiu alguns serviços para o dia seguinte.
O homem acorda pela madrugada com o primeiro canto do galo do vizinho que, antes quase fora parar na sua panela. Pega uma enxada enferrujada, um “sanduba de mortadela vencido” há um mês, um cantil que fora de seu tataravô na primeira guerra mundial e, uma velha e poida barraca de praia mais furada do que fila de INSS. Após tudo isso, foi à luta.
Como os meios de comunicações viviam noticiando as invasões de terras, o pessoal dali passou a desconfiar dessas andanças dele pelos quintais alheios. Num desses dias...
-Por acaso, “a pessoa do irmão” não é esse tal de invasor de terra que fala na televisão, um tal de MST? Pergunta um negão abrutalhado, mais fedido do que latrina de quartel, dono de um ensebado carrinho de “churros” que transitava por ali.
Augusto Argemiro cansado, suado e vergado com as ferramentas de serviços às costas, dá uma pequena parada, olha para o outro e chateado responde meio rispidamente:
-Não...não e não e não interessa! “Tas sabendo”?
-Bem, só “to falando”, porque vejo a pessoa do irmão acampada nos terrenos dos “ôtros”, e as pessoas dos donos pode não gostar de perder “as sua terra” para o irmão!
Nisso, um magricela espigado que vendia geladinho de cachaça na favela atiça o papo.
-É sim seu Otacílio Geremias, é sim! “Ôtro” dia vi ele no quintal do seu Armando Joaquim, acampado e tudo, com direito até a bandeira...eu vi! Tinha até barraca!
Com medo de toda aquela “muvuca” que estava se formando ali, ele tenta justificar:
-Eu só capino quintal pessoal, a tal bandeira é a minha camisa, “tas sabendo”?
Dona Lucinéia Apolinária, bem acabadinha, com a sua língua afiada atiça ainda mais:
-É invasor sim, ele vive no quintal dos outros! Meu Frederico Adalberto passou fogo num deles na noite passada em nosso quintal, com acampamento, enxada, bandeira e tudo!
Nisso, num descuido, ele escapara dali, mas ouvira o recado fúnebre que vinha de trás.
-Se a pessoa do irmão invadir meu quintal ou das pessoas dos amigos, vai subir mais cedo, “tas sabendo”? Rosnou o negão raivoso, com os olhos injetados de álcool e sangue.
Entendido o recado sumiu dali. Mas para sua infelicidade, dias depois recebera uma grana irrecusável para um serviço ali. O quintal era numa zona de atrito, pois fazia divisa com o terreno do negão e do outro com um assassino que cumpria pena em liberdade condicional. Como estava sem grana e fome, topara a empreitada. O destino abrira a sua cova, pensara ele.
Ele não conseguira dormir naquela noite e, em seus pesadelos via uma “carnificina arrumada”, e, depois, a sua alma com asas planando nos céus, sob os acordes de uma “harpa” celestial. No outro dia já trabalhando, o seu pesadelo virara realidade...
-Corre seu Otacílio Geremias, corre, o homem já invadiu e “ta tomando” posse..! Até “ta plantando”, venha antes que o seu Azambuja Raul fique sem um só pedacinho de terra? Ande...ande...depressa! Gritava a velha fofoqueira que torcia pelo massacre.
Ouvindo a gritaria, o negão furioso e “bufando pelas ventas”, colérico, pula a sua cerca e cai de cacete em cima do pobre coitado, que agora, todo quebrado numa cama de hospital, de posse de uma folha de classificados de um jornal, com um olho só já que o outro já era, procura uma outra atividade menos arriscada para fazer seus bicos.

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