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domingo, 31 de agosto de 2008

O FALSO MÉDICO - Carlos Rímolo.

Osmanildo Luiz era um conhecido pilantra e 171 morador da Comunidade do Rato molhado. Era do tipo “magricela”, sarará, nariz aquilino, olhos rasgados e, um bigodinho fino de jogador de carteado. Um típico malandro de morro.
Nas suas andanças pelas ruelas da favela achara num jornal um anúncio à procura de médico. Seu instinto golpista de nascença acendeu de imediato uma luzinha maléfica em seu cérebro corrompido. De olho gordo nas filas quilométricas que via nos Hospitais e prontos-socorros e, no que podia arrecadar ali, resolvera se candidatar ao cargo.
-Vou dar “um tapa arrumado” na sorte, é isso aí! Pensou alto consigo mesmo.
Com a grana “surrupiada” da sogra, vai à feira de Caxias e compra a carteirinha, o diploma, carimbo, jaleco, cartas de referências e manda confeccionar os seus cartões de visitas. Nos cemitérios e casas funerárias, firma convênios com os coveiros e os agentes funerários para receber “algum”, quando indicar alguém que for “bater as botas” para o além.
Agora, todo “encadernado”, com um sorriso safado no rosto, jornal debaixo do braço, vai ao encontro do novo emprego: Um Hospital Público das redondezas. Logo conversa com o diretor:
-Quer dizer que o senhor quer a vaga? Pergunta o homem cheio de boas intenções.
-É isso aí, amizade! “Dotô Osmanildo” para a “galera” e às suas ordens, excelência! Se apresenta ele, já jogando toda aquela documentação falsificada na mesa.
-Bem, depois eu examino seus papéis, tenho pressa! Seu consultório é aquele ali! Fala o diretor apontando para uma sala abarrotada botando gente pelo ladrão e, uma fila de espera quilométrica.
Com os olhos brilhando de cobiça, ele logo vai ao local indicado. O meliante então se aproxima de uma “negona” bem maltratada pelo tempo que, de posse de uma prancheta, direcionava aquelas pessoas e, solta seu “lero” meloso:
-Escute aqui minha “flor de Liz”, “és” o presente que papai Noel nunca me deu, “tas ligada”? Sou o “dotô” Osmanildo, às suas ordens! Apresenta-se se curvando e, dando um “beijo arrumado” nas costas da mão direita da “mocréia”, com as suas segundas intenções.
Após um cochicho de “pé” de ouvido, ele consegue tudo que queria. Fazê-la cobrar “Dez Zinho” de cada um daqueles infelizes em troca de uns “amassos” após o expediente. Logo:
-Doutor, esse cara aqui está com muita falta de ar! Fala a mulher, puxando pelo braço um baixinho magricela mais parecendo um esqueleto ambulante.
-Mande ele para o posto do “Cheiroso” lá em Xerém para uma calibragem!Temos que encher o cara de ar para ele não conhecer o criador mais cedo! Manda outro, princesa!
-Doutor, este aqui perdeu o dedo! O que faço?
Fala ela trazendo dessa vez um gordinho banguela com a cara toda lambuzada de algodão doce.
-Mande ele para o necrotério procurar o “Fuinha” para colocar logo uma mão nova!
-Doutor Osmanildo Luiz? Chama um indivíduo que chega apressado com uma maca.
-Às suas ordens, meu chapa! O que posso fazer pela “pessoa do irmão?”.
- Trouxe o Delegado Tigrão, que está com a cara cortada, os pés quebrados e soltos, para uma geral!
Fala o maqueiro, apontando para o policial inerte anestesiado na maca.
-Prenda bem ele com as algemas para não fugir, pois todo “tira” é espertalhão e é melhor não dar mole pra esse! Ordena o falso médico e malandro, já temeroso.
Após isso e sob a sua orientação, dois acadêmicos começam a recauchutagem.
-Podem operar que eu seguro aqui atrás, “tas” sabendo amizades?
-Mas doutor, nós nunca fizemos isso! E se o homem morrer?
Pergunta um deles muito nervoso.
-Ora, ele vai ver papai do céu mais cedo, só isso! Fazer o que, meus chapas? Temos que dar uma geral no homem e deixar ele “zerado”, “novinho em folha”, ouviram?
E assim...
-Tire as pálpebras dele, um policial tem que ter os olhos bem abertos! Não pode se arriscar a piscar numa situação de perigo! A sua vida depende disso, amizades!
-Diminua a orelhas e alargue o buraco dos ouvidos. Um delegado precisa ouvir bem, amizades! Ele tem que escutar tudo, irmãos! É isso aí!

-Doutor, será que o cara não vai chiar depois quando acordar? Insiste um deles preocupado, já com um pedaço de orelha do delegado nas mãos.
-Claro que não meu chapa! Vamos deixar ele “nos conformes” para a profissão, é isso aí! Além do mais, ele vai ficar até mais bonitinho para as “mocréias” dele, irmãos!
-Agora tirem o bigode. Ele não pega bem com a cara redonda do homem!
Completa.
Após a recauchutagem facial, usam quatro caixas de “durepoxes” para colarem os pés que estavam soltos do corpo. Ao final, antevendo uma reação violenta do paciente ao acordar, Osmanildo mandou reforçar a anestesia e trancá-lo na enfermaria para a sua segurança. Pegou a grana com a enfermeira, marcou um falso encontro e, cuspiu fogo dali. Saiu rapidinho.
Duas horas depois o delegado acordou, se olhou no espelho e, com a cara toda deformada e com os pés trocados e colados, babando de ódio, de posse de um “trezoitão”, sai à procura do picareta que, a esta altura, com a “bufa” cheia de grana, sumira do mapa para desespero do policial, e de toda aquela gente saqueada pelo pilantra.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

"UMA LIÇÃO DE VIDA" - Carlos Rímolo.

Conta-nos um velho conhecido que, lá pelos idos dos anos 60, numa cidadezinha interiorana do agreste cearense, vivia um homem, matuto de origem que, nascera com um pequeno defeito físico: não possuía parte do seu pé esquerdo e, se usufruía disso.
-Por favor, uma esmolinha para um aleijado! Ajude-me! Pelo meu “padinho” padi Cícero, uma esmolinha! Implorava ele a todas as pessoas que encontrava.
-“Vá trabalhar, cabra da peste! Vá fazer alguma coisa”! Respondeu um senhor bem idoso, puxando um jegue que, se curvava ao peso de dois grandes balaios cheios de forragens.
E assim esse homem de nome Severino ia tocando a sua vidinha ociosa. Levantava-se ainda no escuro, comia um pão dormido mergulhado num café requentado e, saía cedo para a mendigagem. Trabalhar para quê? Pensava ele, já que as parcas moedas que lhes chegavam às mãos, eram suficientes para alimentá-lo por mais um dia, pelo menos enganar seu estômago e, lhe dar uma vida boa e descompromissada.
Ele fazia ponto na pracinha central do lugarejo, pouco cuidada e arborizada. Às vezes, passava horas nos degraus do pequeno coreto cochilando e, dando um “tapa” na preguiça.
Com pena do homem, muitos lhe ofereciam empregos que, eram sempre rechaçados por ele sob a alegação de que era um deficiente físico e não podia trabalhar.
Encontrava-se nesta vida desde criança, quando fora abandonado pelos pais que, eram muito pobres e, não queriam suportar esse fardo que era ele. Como alimentá-lo e vesti-lo se nada tinham. E assim resolveram abandoná-lo, deixando-o nas mãos do destino. A sua casa a partir dali passou a ser a rua e sua cama um banco de jardim.
-Um esmolinha, por favor! Uma esmolinha! Insistia ele a todo instante.
E exaustivamente durante todo dia, Severino implorava e recebia mais não do que sim, mas mesmo dessa forma, não desistia e, ia empurrando a sua vidinha ociosa com a barriga.
Um belo dia ensolarado, peregrinando pelas ruas com as suas muletas, ele viu algo que o impressionou e que, mexeu com as suas estruturas, fazendo-o balançar e repensar a sua vida.
Há uns dez metros dali, vira um senhor bem idoso, de barbas brancas e compridas, face bem enrugada, bem frágil, mas de feições bondosas, sem as duas pernas, e se equilibrando sobre uma velha cadeira. Ele vendia peças de artesanatos com um sorriso largo no rosto, tratando todos de igual para igual, disputando seu espaço junto a outros negociantes do ramo no local.
Aquilo lhe chamou a atenção e, o fez se aproximar do homem, mesmo um pouco desconfiado. Ainda hesitante, chegou bem perto do velho sertanejo para conferir o motivo daquela sua alegria, já que o problema dele era bem maior e ele se encontrava feliz.
Já frente a frente com o ancião, Severino com uma voz trêmula e insegura o interpela:
-Meu velho, o que o faz sorridente e lhe dá forças, se és um aleijado desgraçado como eu? Um pobre coitado relegado pelo mundo? Esquecido até por Deus?
O outro ergue a cabeça e o fita demoradamente como se procurasse alguma coisa e, minutos após, lhe dá a resposta contando o segredo de sua força e alegria de viver:
-“Meu filho, o homem muitas das vezes tem a cura de sua doença na luta, através da fé, do amor, do trabalho e, acima de tudo, da perseverança. Temos algo muito precioso que está acima de nossos defeitos, que é a vida. Temos de saber vivê-la com inteligência e amor, pois é única. Trilhar nossos caminhos felizes, para que possamos seguir o rumo dos homens de bem e de Deus! Nosso corpo está mutilado, mas o nosso espírito é são”!
Encerrando a sua curta história, o nosso narrador nos disse que ele, ao ouvir a simples, mas bela lição de vida daquele ancião, aos prantos e envergonhado, afastou-se dali apressadamente e nunca mais foi visto na cidade ou arredores.